19 de junho de 2009

Piraat e Gulden Draak

Poucas são as cervejarias que conto a história tão detalhadamente. Mas esta realmente merece, considerando as ótimas cervejas e rótulos que acho de ótimo bom gosto.
Por volta de 1900, a província de East Flanders tinha 664 cervejarias. Em 1932, restavam 306, sendo que 21 estavam em Meetjesland. Em Meetjesland, apenas uma cervejaria continua produzindo ainda hoje: a Cervejaria Bios – Van Steenberge, que está localizada em Lindenlann, no centro de Ertvelde. Seu diretor é Paul Van Steenberge.
Em 1874, Jean-Baptist De Bruin casado com Angelina, abriu uma cervejaria perto de sua fazenda, sob o nome de De Peer. O casal não teve filhos. Felizmente, o sobrinho de Angelina, Jozef Schelfaut tinha aprendido a arte de fabricar cervejas. Então, quando Angelina morreu aos 92 anos, ela deixou Jozef Schelfaut como encarregado da cervejaria De Peer. Schelfaut não era somente um bom cervejeiro, mas também era um ótimo homem de negócios. Ele teve sucesso ao levar sua cerveja Drydraad para Ghent, onde ele vendeu ao d´Helle (Do Inferno), que era na época, o café mais popular da cidade. Jozef Shelfaut teve uma filha chamada Margriet. Ela casou-se com Paul Van Steenberge, um engenheiro químico que era professor de microbiologia na escola de cervejaria Sint-Lievens em Ghent. Em 2 de agosto de 1914 ele foi convocado a servir seu país na primeira Guera Mundial. No final de agosto, junto com outros soldados, cruzou a fronteira alemã. Devido a sua formação, passou os anos de guerra no laboratório de microbiologia do colégio técnico de Delft, onde trabalhou com o professor Beyerinck, antigo aluno de Louis Pasteur. Quando seu sogro morreu, em 1992, Paul assumiu os negócios. Na cervejaria artesanal, ele aplicou as técnicas mais modernas. Porém, Paul Van Steenberge trilhou os caminhos da política, e foi graças a sua esposa que a cervejaria sobreviveu. Ainda assim, sua rara presença na cervejaria era perceptível. Ele mudou o nome da cervejaria para Bios (vida) e com a ajuda da fermentação láctea, ele conseguiu produzir uma cerveja do gênero Rodenbach e deu a ela o mesmo nome da cervejaria: Bios. Ao final dos anos 1920, devido a mudança no paladar e a propaganda por cervejas menos fermentadas fabricou-se a Leute Bock, nome alterado para Sparta Pils, de baixa fermentação. A cervejaria foi expandida para comportar uma nova casa de fermentação e adegas de envelhecimento.
O filho de Paul Van Steenberge, Jozef, estudou direito, mas, como não poderia deixar de ser, terminou tomando conta dos negócios após a morte de seu pai em 1962. Sob sua liderança, a cerveja de alta fermentação voltou a ser fabricada juntamente com a de baixa fermentação, tirando vantagens das tendências da época. Desde 1980, Van Steenberge fabrica as duas cervejas Bornem (que eram produzidas pela cervejaria) com número crescente de vendas. E isso não foi tudo, os padres Agostinianos também vieram para Ertvelde. Em 1982 nasceu a Augustijn, com 8% de álcool e fermentação secundária na garrafa. Dizem que o segredo desta fermentação está na levedura utilizada. E é verdade! Devido ao sucesso crescente das cervejas, a capacidade da fabricação teve que ser expandida de forma significante. Desde 1978 Paul Van Steenberge II, administra a cervejaria. E desde então, comandou inúmeras inovações tecnológicas, porém sempre preservando o espírito artesanal, inclusive em seus rótulos. Entre as cervejas produzidas pela cervejaria, hoje fazem parte de seu portfolio, as excelentes Piraat e Gulden Draak. Seguem as impressões destas fantásticas cervejas refermentadas na garrafa:
 
Piraat
Deg em 28/11/2008
Família – Ale
Estilo – Strong Golden Ale.
Teor de álcool – 10,5%.
Temperatura de serviço – 6 a 8 graus.
Cor – Laranja, com alta turbidez.
Espuma – Excelente formação e duração, firme com coloração bege clara.
Aroma – Especiarias, frutado, laranja, doce, leve álcool, (fermento?).
Sabor – Médio corpo/encorpada, média carbonatação, laranja, álcool pronunciado, frutado, doce, (especiarias?), final seco.
Veredicto – Muito boa cerveja belga representante do estilo. O problema é que depois que se experimenta uma Duvel, qualquer outra fica atrás. Forte, com seus 10,5% de álcool, é gostosa de beber e bastante “quente”. Mas esta Piraat tem um grande diferencial a seu favor: me parece mais artesanal do que a “mãe” das Strong Golden Ale. É mais “rústica”, e por isso tem todo um charme. Vale experimentar!! Esta maravilha também é encontrada com 9% de teor alcoólico.

Gulden Draak
Deg em 18/12/2008
Família – Ale
Estilo – Strong Dark Ale (Também classificada como Barley Wine – David Kenning)
Teor de álcool – 10,5%.
Temperatura de serviço – 8 a 10 graus.
Cor – Marrom avermelhada, turva.
Espuma – Excelente formação e duração, densa com coloração dourada.
Aroma – Ameixa, frutas pretas, malte torrado, levíssimo álcool, doce, fermento, caramelo, chocolate, bastante complexo. Excelente!
Sabor – Médio corpo/encorpada, média carbonatação, ameixa, malte torrado, início bastante doce, café, chocolate, leve amargor do malte torrado, discreto álcool final, complexo como o aroma. Veredicto – Excelente cerveja. Doce, porém não enjoativa. Com 10,5% de álcool consegue ser agradável e “ardilosa” (é fácil passar da conta sem peceber...). Aroma e sabor muito complexos com um creme generoso e persistente. Esta e sua irmã Piraat são bebidas com características bastante artesanais. Só quem não entende de cerveja deixa de degustar esta preciosidade!!!!! Gulden Draak é o nome da estátua dourada que se encontra no topo da torre do relógio de Ghent. A estátua, um navio Viking em forma de dragão, pertencia originalmente à cidade de Constantinopla (hoje Istambul, na Turquia). Durante as cruzadas, o Conde de Flandres, Boudewijn IX, em uma de suas incursões, simplesmente “pegou” a estátua e levou-a consigo para sua terra. Passado alguns anos, Bruges e Ghent brigaram pela posse da estátua. Não preciso falar quem saiu ganhando, né?